17 de set. de 2007

Santos, cenário de filmes nacionais

Nildo, personagem"Mosca" do filme Querô mostra vocação para direção
Querô e O Magnata prometem lotar as salas de cinema da Cidade que continua mantendo sua tradição na Sétima Arte

Santos sempre teve uma relação forte com o cinema. Na década de 30, a Cidade já tinha 17 salas por habitante - o maior número do País – e hoje conta com 19. Ainda esse ano serão lançados dois filmes de autores santistas: "Querô", uma obra de Plínio Marcos, roteirizada e dirigida por Carlos Cortez, e "O Magnata", um filme de "Chorão" dirigido por Johnny Araujo.

Nos dois filmes, Santos serviu como pano de fundo retratando a juventude brasileira de formas distintas, em comum a desestrutura familiar. A produção local é forjada por um festival de curtas-metragens considerado uma vitrine para os profissionais.
De um lado, "O Magnata" relata o cotidiano de abusos cometidos por uma classe social mais privilegiada. Já do outro, "Querô" mostra a dura realidade de quem vê a infância passar marcada pela violência.

Nos últimos anos, Santos com seu centro histórico, praias e porto passou a ser também um dos cenários favoritos para a produção de filmes publicitários e curtas-metragens.
Essa última categoria entrou na briga em 2002 ganhando até um festival, o "Curta Santos", que esse ano vai para 5º edição.

De acordo com a produtora de elenco do filme "Quero", Tammy Weiss, o curta é uma linguagem experimental e pode ser uma vitrine para projetos e profissionais. "O curta-metragem é o chamado movimento dos sem tela", justifica.

Incentivo - Tammy, ocupante da cadeira áudio-visual no Conselho Municipal de Cultura, afirma que hoje há um movimento para criar uma "film comission". "É a instituição que vende a beleza da cidade, além de criar condições para produção de comerciais, mini-séries e cinema".

A Secretaria de Cultura de Santos (Secult) mantém dois equipamentos com programação e um projeto itinerante de cinema de rua. Um dos espaços é o Cine Arte posto 4, outro é o Museu da Imagem e do Som (Mis), ambos exibem programação.
"Uma ação que populariza a cinegrafia brasileira", assim Nívio Motta define o cinema de rua. Nívio é coordenador do núcleo de cinema da Secult.

Segundo Motta, no final da década de 60, foram realizadas três edições do "Festival de Cinema Brasileiro de Santos. Em São Paulo não temos hoje um festival de cinema brasileiro", afirma.

Cinema brasileiro longe de ser indústria

Segundo dados do site do Ministério da Cultura do Brasil (Minc), a Nigéria, que não possui nenhuma sala de cinema, produz em média 1200 filmes por ano, mais do que a Índia, oficialmente o maior produtor mundial, que faz 800 filmes ao ano, seguida dos Estados Unidos, com 400. Estimativas apontam que essa indústria movimenta no país africano US$ 3 bilhões ao ano.

Para Motta, o cinema brasileiro não é uma indústria e esta longe de ser. "Existem mais de 100 filmes prontos para serem exibidos", conta. Para se realizar um projeto sob a nossa legislação é necessário se submeter à cinco editais de concursos: roteiro, pré-produção, produção, finalização e por último a distribuição", explicou.

De acordo com ele, cinema não é cultura, mas um produto. "São pouco mais de 1200 salas no Brasil, pouca gente vai ao cinema. Só se dá acesso se existirem mais salas de exibição".
O site da Agência Nacional do Cinema (Ancine) mostra, entretanto, que "Dois filhos de Francisco", lançado em 19 de agosto de 2005, ficou 20 semanas em cartaz, exibido em 319 salas. Foi prestigiado por 5.319,637 pessoas e rendeu R$ 36.728.278,00. Isso mostra um aumento de público para as produções nacionais.

Em 2004, "Cidade de Deus" foi assistido por 3.307.746 pessoas e rendeu R$ 19.539.624,00. No Brasil, de dezembro de 2004 a dezembro de 2005, foram produzidos menos que 50 longas-metragens.
Profissional- Desde 1999 ministrando aulas de interpretação para cinema, o santista Luiz Mario Vicente coordenou, em 2005, as oficinas de interpretação para 40 jovens que integraram o elenco do filme "Querô".

Vicente vê a arte como uma forma de despertar o cidadão para que ele se inclua. "Seja atuando, desenhando, dirigindo, dançando, construindo, ensinando ou até medicando". Para ele, o cinema tem a força das multidões. "O discurso filmado pode ajudar numa nova consciência e numa transformação individual".

Luiz Mário contou que, no caso de "Querô", ele não fazia idéia do que vinha pela frente. A partir das informações de cada personagem, foi em busca de uma qualidade humana e artística. "Sempre fazemos o máximo, mas os resultados pertencem ao improvável e suposto".
Impressionado, relatou o fato de não haver ocorrido nenhum problema. "Isso mostra e prova que a oportunidade, aliada a uma condução sensível e respeitosa, pode render frutos e identificar talentos".

O profissional lembrou da preparação dos meninos, que nunca haviam trabalhado com teatro e cinema. "Não houve método e sim a descoberta de um caminho que fizesse com que eles atingissem o que o filme pedia".

Nildo, Transformado pelo cinema

Talento revelado como "Mosca", coadjuvante do filme Querô, Nildo Ferreira foi além. Hoje atua na produção e edição áudio-visual. "Faço o que gosto, sou assistente de produção", diz.
O ator conta que nas gravações observava o máximo possível, enquanto lia Plínio Marcos. "Vivia atento aos técnicos e no vídeo assiste".

Para Ferreira, o filme só veio a acrescentar na sua vida pessoal e profissional. "Vou fazer cinema, ainda fiz pouco, mas deixarei minha contribuição para o cinema brasileiro".

Cult ou kitsch?

O cinema em Santos passa por um estado de regressão. Se começou adulto e ‘cabeça’ com as enfumaçadas sessões no Cine Glória, chapadas de intelectuais, hoje vestiu a bermuda, virou a aba do boné para trás e assumiu sua porção adolescente e leviana – duas produções nacionais de apelo jovem que estréiam nos cinemas este ano e tem forte ligação com a cidade comprovam isso, ainda que uma delas ("Querô") esteja envolta pela aura do que se convencionou chamar de ‘cinema verdade’.

Apesar desse diagnóstico, a cidade ainda não deitou no divã para analisar o problema. A sunga verde-limão do personagem-blockbuster "Borat" (vivido por Sacha Baron Cohen) não deixa mentir: lá estava ela estampada até pouco tempo atrás no ‘templo’ do cinema de arte (dizem), o Espaço Unibanco. O que afinal é cult e adulto, o que é kitsch e aborrescente em Santos?
Prova maior aconteceu no fim de março, quando as salas foram tomadas de assalto pelo palavreado de malandro da classe média tão característico a Chorão, do Charlie Brown Jr., em sua primeira (e última, assim esperamos) empreitada pela tela grande, no suposto auto-biográfico "O Magnata". História da ascensão, medo e delírio dos abastados ao registro cinematográfico.

É o que a história nos conta sobre a vocação santista para o cinema, pelo menos para a contemplação dele, que evoluiu de tal forma a se tornar extensão da nossa gente. Assim ir ao shopping pede sorvete de casquinha do McDonald’s e a viagem à Roma, a bênção do Papa, sábado e domingo não são reais sem um pulo no Roxy para conferir o último enlatado americano a aportar por aqui.

Sinal dos tempos é que, na era do You Tube, o santista típico (aquele que freqüenta o circuito praia/shopping/cinema e tenta ir à academia) deixe de ser espectador e vire imagem fixa de fotograma ou byte no arquivo de filme digital.

Colaborador Julio Ibelli

Dois projecionistas, muitas saudades

Pernambucano da cidade de Garanhuns, Clóvis Ferreira da Silva, de 47 anos, opera com melancolia o projetor do Cine-Arte Posto 4 desde a inauguração, em 1991 ("fundei, mas não afundei"). Aprendeu o ofício na década de 80, durante exibições nos Estúdios Atlântico 1 e 2, mesmo lugar do Gonzaga onde estão hoje as Lojas Americanas.

Relembra que os amantes da sétima arte tinham sessão cativa à meia-noite em uma das salas da Empresa Santista de Cinema. Todos sócios de carteirinha do clube que só exibia filmes antigos. Para a criançada tinha refrigerante de graça na sessão de domingo, às 10 horas. Clóvis sente falta dos cinemas de bairro e da camaradagem entre projecionistas.

Outro saudosista é Justo Evangelista dos Santos, de 57 anos, hoje à frente de uma banca de jornal no Gonzaga com o sugestivo nome de Cinelândia.

Ele guarda na carteira um comprovante de mensalidade do Sindicato dos Operadores Cinematográficos do Estado de São Paulo. Cr$ 1.500,00 pagos em abril de 1985. "Cinema Paradiso é um bom exemplo de como era trabalhar com projeção ".

De outra fita guarda um tipo diferente de recordação. Em uma das sessões de Exorcista, clássico maior do terror, um vento fez bater sozinha a porta da sala de projeção, deixando Justo literalmente apavorado No mais, só boas lembranças do tempo das filas nas portas dos cinemas que atraíam famílias inteiras.

Colaborador Julio Ibelli

Cinema Santista bate as principais capitais em venda de ingressos


São Paulo, Belo horizonte e Rio de Janeiro ficam atrás, mesmo com número maior de salas

Santos cresce cada vez mais em relação a cinema. Pesquisa da Folha de São Paulo aponta a Cidade líder de bilheteria entre as principais do País, levando-se em conta a proporção de número de habitantes, salas de cinema e venda de ingressos.
Chama a atenção de especialistas o fato de Santos ter o maior número de ingressos por habitante.

Mesmo com apenas 19 salas, 13 vezes menos do que a cidade de São Paulo, os moradores da região freqüentam mais cinema do que os paulistanos. Também perdem para Santos, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

Para o professor e produtor Dirceu Lemos da Silva, do Centro Universitário Monte Serrat – Unimonte –, se dividirmos a população pelas 19 salas teríamos uma para cada 22,1 mil habitantes, quase a mesma proporção de Nova York, com 20 mil pessoas para cada sala.
Lemos ressalta que em breve, a Santos terá mais quatro salas no local do antigo Cine Iporanga. "A média santista ficará de 18,2 mil pessoas por sala. Boa, né?", conclui.

Arte - Um dos destaques de Santos é o Cine Arte Posto 4. Apesar de ter uma única sala é um dos mais procurados por estudantes e fãs da sétima arte. Oferece seções dos filmes fora do circuito comercial e realiza palestras e mostras temáticas.

Além do Cine Arte, a Cidade conta com um número de salas considerado alto, sendo dez no Cinemark (Praia Mar Shopping), cinco no Roxy e três no Espaço Unibanco de Cinema (Miramar Shopping).
Colaborador Anderson Araujo